19 janeiro, 2010

antónio.


Odeio o teu quarto, odeio o sótão, odeio o quarto da mãe e da tia Glória, odeio a tua cadeira de baloiçar, basicamente, odeio a tua casa toda. Odeio o mundo por te ter tirado de mim, sem me dar a oportunidade de te dizer que te amo, aliás, que te odeio, por teres fugido dos meus braços, deixando-me sozinha com as pilhas de livros e as resmas de poemas que escrevias sobre o mundo, esse mundo que tu tanto gostavas e que te tirou a vida sem tu mereceres. Tu não merecias.
Eu idolatrava-te, a ti, e à tua sabedoria. Ouvia as tuas histórias sentada ao teu colo como se elas fizessem parte de um livro de encantar que não existia, um livro de encantar por o qual tu passaste.
A única coisa que me resta de ti, é a tua campa que me recuso a ver e a adorar, não consigo acreditar que o mundo te prendeu debaixo dos meus pés, sem te deixar viver. Não aceito estas maldades.
A vida para ti nunca foi uma obrigação, mas bem sei que estavas farto, notava-se pelas tuas mãos velhas e cansadas, que por tanto já passaram. Aquelas mãos que pentearam o meu cabelo loiro e frágil, aquelas em que me deixei dormir tantas vezes.
Não posso, não consigo e recuso-me a acreditar que desististe de mim, e de todas as pessoas que te amam, por isso, a culpa não é tua, é do mundo. Deste mundo que eu tanto odeio, que tu adoravas, que te tirou de perto de mim. Deixas-te tudo o que é teu em terra, juntamente com o amor que sinto por ti. Sim, amo-te, e nunca te disse. Nunca te soube agradecer nem, escrever para ti. Sou fraca, temos as mesmas fraquezas. Tu escrevias sobre o mundo, sobre mim, sobre a Matilde, sobre a mãe e sobre a tia, sobre a avó e sobre o Raúl... Mas nunca te vi escrever sobre ódio, sobre sofrimento. Eu nunca fui capaz de escrever sobre a saudade, pois a saudade não é uma palavra solta, é um sentimento que se prende a ti, que levaste para o caixão contigo e que eu não consigo desenterrar.
Espero ansiosamente pelo dia em que te vou abraçar outra vez, o mundo deve-me isso, um abraço teu, cinco minutos de vida. Ainda temos muito para aprender um com o outro. Gostava que me visses agora, sei que te irias orgulhar da neta que criaste, da pessoa em que me tornei quando me deixaste com o sofrimento de te ter perdido.
Talvez tudo isto seja egoísmo da minha parte, sei que sim, posso estar a falar do que não sei, nunca falaste comigo sobre a morte. Talvez estejas mais feliz assim.

(Agora estás vivo, sobre as minhas mãos, vivo num pedaço de papel, vivo em mim, e eu sei que onde quer que o sonho me leve, eu hei-de lembrar-me de ti.)


4 comentários:

  1. Parece que herdaste, pelo menos, a paixão pela escrita, Leonor :)

    Não te deixou. Apenas desencarnou. E um dia voltar-se-ão a ver. Porque se não pensares assim, a mágoa não te vai abandonar tão cedo.

    Beijinho.

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  2. Está muito bonito leonor, ele certamente irá gostar.
    Beijinho

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  3. esta genial :D


    muito bom mesmo


    ps: seja a ultima vez que diga isto -.-


    ass: ricardo

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